Canta, esplêndida sonata,
O desvario do universo adverso.
E rima, e da alma desata
Meu único e exilado verso.
Tremi nas aras da tristeza,
Nos véus de mil entardeceres...
Despi-me, nu, na profundeza
Dos abismos entre os seres.
Sou rei, e sou mendigo,
Nada sou sem meu ser.
Não sei mais o que eu digo:
Sou o infinito a se desfazer.
Flores do nada, no tudo brotando,
Como verdades que não se dizem.
Sou a soledade, sempre chorando,
Nos delírios que me desdizem.
Sou forma ambígua e inexata,
Sou negação da afirmação.
Em mim, tudo morre e se desata —
Coroa de espinhos da desilusão.
Esplendor ***** dos desonrados,
Na sombra de vasos quebrados.
Shevirat ha-kelim sangra em mim —
Pinto o mundo de carmesim.
Eis a eterna confabulação:
Minha alma, estranha e partida,
Pisoteia com indignação
As uvas ilusórias da vida!