Ainda sou ontem, espasmo em flor,
Perfume denso de antigo ardor.
Sou voz que canta em noite extrema,
Silêncio nu que não se tema.
Sou curvas vivas rumo ao sem-fim,
Luxúria rubra que nasce em mim.
Sou grito surdo, visão que tremia,
Fuga e sonho em agonia.
Sou sempre agora no espaço presente,
Vácuo pequeno, fim iminente.
Sou passo nu no jardim do além,
Andarilho que busca o que vem.
Sou emanação de um mito escondido,
Mistério oculto jamais vencido.
Sou longe, limite, sou mesmo o fim,
Extremo gesto que arde em mim.
Sou hoje febre, poética chama,
Raiz do líquen que a dor inflama.
Sou litígio, pecado, asas sem chão,
Sou abstração em combustão.
Sou o viajante em sombra e luz,
Platônico eco que me conduz.
Símbolo, signo, lenda perdida,
Sou o enigma que dança a vida.
Ainda sou ontem, voo do futuro,
Vício que sangra em plano obscuro.
Transcendência entregue à musa silente,
Consciência do eterno e ardente.
Sou renascer, sou brilho disperso,
Translúcido caos em verso reverso.
“...& em tudo há profecia se sou eterno” —
Sou chama errante no verbo moderno.